Torneio US Open

Volta ao passado

Com oito campeões diferentes nos Grand Slam de 2014, circuito parece ter voltado no tempo


NO TÊNIS MASCULINO, A ÚLTIMA vez que os quatro Grand Slam do ano tinham sido vencidos por quatro jogadores diferentes foi em 2003. No feminino, em 2011. Fora isso, apenas duas vezes na história homens e mulheres diferentes venceram os Majors do ano, em 1990 e 1998. Em 2014, com os resultados do US Open, esta se tornou a terceira vez em que há oito campeões diferentes e, mais do que isso, a primeira vez com oito países diferentes.

Entre as mulheres, a chinesa Na Li venceu o Australian Open, a russa Maria Sharapova, Roland Garros, a tcheca Petra Kvitova, Wimbledon e, finalmente, a norte-americana Serena Williams, o US Open. No lado masculino a sequência começou com o suíço Stan Wawrinka, depois o espanhol Rafael Nadal, em seguida o sérvio Novak Djokovic e terminou com o croata Marin Cilic.

 

Sob a tutela de Goran Ivanisevic (acima), Marin Cilic passou a ser ainda mais agressivo no saque

Essa sucessão de diferentes atletas campeões, sem uma clara predominância, remonta ao final das décadas de 1990 e 1980, quando tanto o circuito masculino quanto o feminino viam nomes já consagrados duelarem contra os jovens que mais tarde também teriam seus nomes gravados entre os grandes tenistas. Mais interessante ainda é notar que muitas dessas lendas das décadas passadas também têm parte no que está acontecendo no circuito atualmente.

Mentores

Na final do US Open 2014, por exemplo, no duelo decisivo entre Marin Cilic e Kei Nishikori, fora da quadra, auxiliando os finalistas, estavam Goran Ivanisevic e Michael Chang. Para quem não se lembra, Ivanisevic foi campeão de Wimbledon em 2001, aos 29 anos, quando já não estava mais entre os melhores do ranking e precisou de um convite para participar do torneio. Antes disso, ele tinha sido vice-campeão do Aberto inglês em três oportunidades: 1992, 1994 e 1998.

Em 1992, aos 20 anos, quando ainda era uma novidade no circuito, a fama do croata se construiu em torno dos inúmeros aces que distribuiu naquele Wimbledon. Em sua campanha, foram mais de 200. Só na final foram 39. No entanto, nem mesmo a potência de seu saque superou as devoluções espetaculares de André Agassi, que, por ironia, conquistaria seu primeiro Grand Slam na grama.

Naquela temporada, o croata marcou nada menos que 957 aces em 80 partidas disputadas. Ao terminar a carreira, tinha anotado impressionantes 10.183 saques indefensáveis, recorde até hoje.

Ivanisevic foi um dos maiores expoentes da geração de sacadores dos anos 1990. Alto e canhoto, o saque era sua principal (e talvez única) arma. Juntamente com Pete Sampras e Patrick Rafter, ele fazia parte dos últimos representantes do clássico saque-e-voleio durante a década. Foi devido a jogos “monótonos”, sem trocas de bola, como os do croata, que os organizadores passaram a tentar diminuir a velocidade das quadras. Com o tempo, esse estilo de jogo estava fadado ao fracasso.

É possível que, depois de aposentado, Ivanisevic tenha se dado conta disso, mas, ainda assim, seu dedo ajudou a levar o compatriota Marin Cilic a uma conquista tão pouco provável quanto havia sido a sua em 2001. É fácil notar que o pupilo tem a mesma facilidade do mentor com o saque. O toque de Ivanisevic nesse quesito foi dizer que ele deveria arriscar ainda mais. Tanto que, em sua campanha no US Open, sua porcentagem média de primeiro saque foi de 57%, bastante baixa. Mas isso não foi à toa, já que venceu 83% dos pontos em que acertou o primeiro saque.

De seus 758 pontos vencidos na competição, 469 foram com o saque, sendo 98 em aces, uma marca boa, mas nada comparada à de seu técnico nos áureos tempos. Aos 25 anos, Cilic acumula pouco mais de 3.500 aces na carreira e, neste ano, aparece entre os quatro maiores sacadores, ainda bem atrás dos gigantes Ivo Karlovic e John Isner, além do canadense Milos Raonic.

Mas, se como seu atual mentor, Cilic apostasse todas as fichas somente no saque, talvez não alcançasse o sucesso esperado. Hoje, mesmo com um bom serviço, não há muita margem para sacar e volear. Assim, em uma adaptação do estilo de Ivanisevic, o pupilo saca ferozmente apostando em devoluções mais fracas que possibilitem definir o ponto do fundo em poucas trocas de bola. Lembrando que trocar bolas de fundo, mesmo que poucas, era algo impensável para Ivanisevic.

Paciência e superação

Se por um lado o estilo de Cilic lembra uma evolução de Ivanisevic, o de seu adversário na final, Kei Nishikori também mostra tons que recordam o de seu mestre, Michael Chang. O norte-americano de origem asiática foi o mais novo vencedor de Grand Slam da história, com apenas 17 anos, em Roland Garros 1989.

Com mero 1,75 m, ele foi um exemplo de superação e, em uma geração de grandes sacadores, mostrou que era possível enfrentá-los com muita disposição e disciplina tática. Uma das cenas mais marcantes em seus jogos era seu posicionamento ao esperar o saque adversário. Para diminuir os ângulos, ele ficava dentro da quadra, às vezes bem próximo da linha de saque e devolvia com movimentos curtos. Sem desistir dos pontos, retornando as bolas mais impossíveis, ele levava seus adversários à exaustão, física e mental.

Com apenas 3 centímetros a mais do que o mestre, Nishikori assimilou muito da filosofia de jogo de Chang, com a diferença de que seu estilo tem muito mais poder de definição de jogadas. Neste US Open, provou sua determinação. Mesmo depois de dois jogos longos e duros contra Raonic e Wawrinka, decididos no quinto set, foi capaz de suportar o sol e a regularidade de Novak Djokovic, levando o sérvio à exaustão.


Nishikori assimilou muito da filosofia de jogo de Michael Chang, seu treinador

Mas não foi somente Nishikori que serviu de exemplo para quem ainda acha que o porte físico é 100% determinante no esporte atual. Aos 21 anos e fora das 100 melhores do ranking antes do Aberto dos Estados Unidos, a sérvia (nascida em Moscou), Aleksandra Krunic, de 1,63 m, precisou passar o qualifying, alcançou as oitavas de final e, por muito pouco, não foi capaz de eliminar Victoria Azarenka – sendo que, na rodada anterior, ela tinha vencido Petra Kvitova.

Para alcançar tal resultado, a menina precisou correr muito para defender as bolas pesadas das rivais mais altas e fortes. Ainda assim, não se intimidou. Usou slices, bloqueios, spins altos, ousou, sem medo de ficar confinada ao jogo plano e sem graça que domina o circuito feminino atual. Por vezes, chegou a lembrar Justine Henin, a baixinha que incomodou as grandonas tempos atrás. “Ela tem um coração valente”, disse Djokovic sobre a compatriota.

Novak Djokovic
Djokovic mostrou que tem a mesma ânsia que Boris Becker (no detalhe) tinha por vitórias

Roger Federer

Treinando com Stefan Edberg (abaixo), seu ídolo de infância, Federer voltou a ser mais ousado e agressivo

Alguns dos principais tenistas do mundo buscaram referências em ídolos de outras gerações para desenvolver seus jogos

Referências

Djoko, aliás, é outro expoente da atual geração que foi buscar uma referência em um grande nome do passado. Quando ele anunciou que ia acrescentar Boris Becker ao seu time, poucos acreditaram que o alemão – rei das confusões fora de quadra – seria capaz de trazer algo ao jogo do sérvio. Em seu auge, ainda adolescente, quando venceu Wimbledon com 17 anos, Becker era pura explosão, tanto que foi apelidado de “Boom Boom”. Saque feroz, voleio firme e marteladas do fundo de quadra. Era um estilo impiedoso, massacrante, que teoricamente não se encaixava no do pupilo, muito mais afeito à regularidade e porcentagens. Ainda assim, funcionou. Ele venceu Wimbledon e, apesar da inesperada derrota na semifinal para Nishikori nos Estados Unidos, mostrou que tem a mesma ânsia pela vitória que Becker tinha.

Mas talvez a parceria mais comentada do ano seja a de Federer com Stefan Edberg, seu ídolo de infância. Um dos últimos representantes da exímia escola sueca de tênis (que antes dele teve Bjorn Borg e Mats Wilander como números 1 do mundo), Edberg foi o grande nome do saque-e-voleio no final dos anos 1980 e começo da década seguinte. Obviamente que, apesar disso, ele não ia levar Federer a adotar esse estilo, mas foi capaz de ajudar o suíço a retornar a uma final de Grand Slam e ousar mais, buscando a rede sempre que possível para sofrer menos diante de adversários que invariavelmente o estavam encurralando no fundo da quadra.

Depois da final em Wimbledon, Federer fez campanhas excelentes nas quadras duras norte-americanas e foi considerado favorito ao título no US Open. Sua trajetória foi quase impecável até as quartas, quando, diante de Gael Monfils, suas bolas pareceram mais curtas, assim, suas subidas à rede ficaram limitadas, e o francês chegou a ter dois match-points. No fim, o suíço teve de agradecer às viajadas de Monfils por não ter sido eliminado. Na semifinal, porém, levou uma aula de tática e confiança de Cilic para a surpresa geral.

Nova transição ou acidentes?

Serena Williams

Serena levantou seu 18º título de Grand Slam, igualando-se a Martina Navratilova e Chris Evert

Apesar de mostrar um caminho, a vitória de Cilic no US Open, assim como a de Wawrinka no Australian Open, ainda parecem mais acidentes do que reais transições no circuito masculino. Quando Rafael Nadal e Djokovic estão no páreo, é difícil dizer que o título não ficará com um dos dois. No entanto, abaixo deles, mesmo quando se trata de Federer e Andy Murray, parece que nada está garantido e há a possibilidade de ocorrer surpresas, como Cilic e Nishikori, por exemplo. Aos poucos, nomes como Grigor Dimitrov, Dominic Thiem, Milos Raonic (os três quadrifinalistas do US Open), entre outros, começam a surgir como fortes concorrentes. No entanto, ninguém apostaria contra Nadal e Djokovic nos próximos dois anos.

Já do lado das mulheres, a situação parece um pouco diferente, apesar de Serena Williams se mostrar anos-luz à frente de todas as concorrentes tanto no quesito técnico quanto quando a experiência faz a diferença – tanto que mais uma vez ela venceu o US Open com o pé nas costas, sem perder sets, sem ser ameaçada. Mais do que isso, viu suas principais rivais, entre elas Maria Sharapova, serem eliminadas precocemente, num claro sinal de que faltam outras forças dominantes no circuito. Serena conquistou seu 18o título de Slam na carreira, igualando as marcas de Martina Navratilova e Chris Evert.

Depois de algum tempo longe dos holofotes, o jogo de contra-ataque da dinamarquesa Caroline Wozniacki voltou a brilhar nesse US Open, onde já havia feito final em 2009. Neste ano, porém, tenistas ainda mais jovens surpreenderam, como a suíça Belinda Bencic, quadrifinalista no Aberto dos Estados Unidos sob os olhares de Martina Hingis, e a canadense Eugenie Bouchard, que parou nas oitavas em Nova York, mas foi vice em Wimbledon e semifinalista nos outros dois Grand Slam da temporada. O US Open ainda teve mais duas grandes surpresas, com a russa Ekaterina Marakova na semifinal, depois de passar por Azarenka, e a chinesa Shuai Peng, que despachou Agnieszka Radwanska, logo na segunda rodada e só não eliminou Wozniacki na semi porque passou mal devido ao calor e precisou desistir da partida.

Mas, além das surpresas, há nomes que vão se consolidando no circuito e logo devem incomodar a liderança até então incontestável de Serena. Uma delas é a polonesa Radwanska e a outra é a romena Simona Halep, finalista de Roland Garros este ano. Ambas têm estilos de muita entrega e certa variação que contrasta levemente com o que se vê comumente entre as mulheres de hoje, mas que já fazem grande diferença. Ao acumular experiências, espera-se que se tornem habitués nas rodadas finais dos Grand Slams.

Enfim, 2014 até então mostrou-se um ano ímpar. Seria um presságio de novos tempos?

Bruno Soares
Bruno Soares


Rafael Matos (à frente) e João Menezes (ao fundo) fizeram final de duplas

Brasil

Engraçado ainda ouvir dos muitos “especialistas” espalhados pelas quadras dos clubes do Brasil a frase: “O tênis brasileiro está em crise”. A crise é tamanha que, neste US Open, levantamos um título e ainda ficamos com um vice-campeonato. Neste ano, aliás, temos dois títulos de Grand Slam, um de Masters 1000, dois em ATPs, sem contar outros tantos vice em torneios importantes. Realmente, vivemos em crise.

No Aberto dos Estados Unidos, Bruno Soares conquistou seu segundo título de Major em duplas mistas, desta vez ao lado da indiana Sania Mirza. Ele repetiu a façanha de dois anos atrás quando havia vencido a competição ao lado da russa Ekaterina Makarova. Aliás, este é o terceiro ano seguido em que Soares chega à final do US Open. No ano passado, ele foi vice jogando com Alexander Peya. Em 2014, eles pararam nas quartas, perdendo para os vice-campeões Marcel Granollers e Marc Lopez, que também venceram Marcelo Melo e Ivan Dodig na semifinal.

E se nossas duplas profissionais empolgam, as juvenis também. Em Wimbledon, Marcelo Zormann e Orlando Luz sagraram-se campeões. Agora, porém, foi a vez de João Menezes e Rafael Matos alcançarem a final e, por pouco, não conquistarem mais um título para o Brasil neste ano, aumentando a “crise” do tênis brasileiro.

Resultados US Open 2014

Adultos

Marin Cilic (CRO) v. Kei Nishikori (JPN) 6/3, 6/3 e 6/3

Serena Williams (USA) v. Caroline Wozniacki (DEN) 6/3 e 6/3

Bob Bryan e Mike Bryan (USA) v. Marcel Granollers e Marc Lopez (ESP) 6/4 e 6/3

Ekaterina Makarova e Elena Vesnina (RUS) v. Martina Hingis (SUI) e Flavia Pennetta (ITA) 2/6, 6/3 e 6/2

Sania Mirza (IND) e Bruno Soares (BRA) v. Abigail Spears (USA) e Santiago Gonzalez (MEX) 6/1, 2/6 e 11-9

Juvenis

Omar Jasika (AUS) v. Quentin Halys (FRA) 2/6, 7/5 e 6/1

Marie Bouzkova (CZE) v. Anhelina Kalinina (UKR) 6/4 e 7/6(5)

Omar Jasika (AUS) e Naoki Nakagawa (JPN) v. Rafael Matos e João Menezes (BRA) 6/3 e 7/6(6)

Ipek Soylu (TUR) e Jil Teichmann (SUI) v. Vera Lapko (BLR) e Tereza Mihalikova (SVK) 5/7, 6/2 e 10-7

Por Arnaldo Grizzo

Publicado em 26 de Setembro de 2014 às 00:00


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Artigo publicado nesta revista