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O papel dos ídolos na formação dos jovens tenistas


Nós, seres humanos, queremos muito ter aquele “ponto de admiração” em nossas vidas, uma pessoa que represente nossos anseios de alguém ideal, que nos atraia para cima e para frente rumo à evolução constante. Nós gostamos de ter ídolos.

A palavra “ídolo” vem dos termos em latim “idôlum” e do grego “eidôlon”, que significam imagem. E, não por coincidência, ídolos são construídos e destruídos principalmente pela televisão, uma mídia de imagens por excelência.

O maior ídolo nacional que o tênis já teve foi Gustavo Kuerten que, com a conquista de Roland Garros em 1997, inspirou uma legião de fãs, mesmo entre quem não praticava o esporte e entre aqueles que nunca pensaram poder jogar tênis. Guga conseguiu reunir as melhores características de um ídolo esportivo: talento para jogadas espetaculares, boa colocação no ranking mundial por anos seguidos, personalidade forte e marcante, carisma, comunicabilidade com o público, garra para superação de dificuldades e humildade.

Além das características positivas dentro das quadras, a vida de Guga fora delas também parece que tem sido aprovada pela sociedade em geral: extremamente discreto em sua vida pessoal de pai de família, engajado em programas de ensino do tênis para crianças e ativo no trabalho da Fundação Guga Kuerten, que atende crianças especiais. Sim, porque é preciso não confundir o ídolo no esporte com o ídolo na vida: pessoas são multifacetadas e ter habilidades esportivas não significa necessariamente que o cara seja boa pessoa. Guga, no caso, é ambos.

Como usar os ídolos

O marketing usa e abusa da imagem dos ídolos para vender produtos, e a pressão da mídia e dos amiguinhos para comprar este ou aquele equipamento esportivo para seu filho pode chegar à beira do insuportável. Segure firme a onda 

Normalmente, projetamos no ídolo alguma característica especial que gostaríamos de agregar ao nosso rol de qualidades pessoais: disciplina, irreverência, humildade, coragem, garra. Também podemos eleger como ídolo um tenista com golpes perfeitos em todos os cantos da quadra. Ou uma tenista bonita e elegante, que também demonstra muita garra e concentração. Até podemos ter uma tenista como ídolo pela sua força.

Pais e professores inteligentes podem usar os ídolos da criançada para a educação esportiva de várias maneiras:

1. Escolhendo determinado golpe ou movimentação de pés do ídolo como algo a ser imitado, desde que o biótipo e o estilo de jogo sejam semelhantes. Um jovem muito baixo, que tenha como ídolo um tenista que sobe à rede constantemente, pode se frustrar um pouquinho. Uma garota que rebate o backhand com duas mãos, dificilmente se espelhará em Francesca Schiavone, italiana que alcançou a quarta posição do mundo em janeiro de 2011 usando backhand com uma só mão. Também é preciso verificar se a maneira de segurar a raquete do ídolo é possível de imitar, já que os ossos das pessoas são bem diferentes. E assim por diante.

2. Salientando um aspecto positivo dentre as habilidades emocionais do ídolo que o favoreceu num momento importante de uma partida específica. Contrariando seu estilo de jogo, Guga teve a coragem de subir à rede atrás do saque num ponto importante contra Sergi Bruguera, na final de Roland Garros de 1997. Foi na contagem 3 a 3, 15 a 0 do segundo set. A coragem demonstrada neste e em outros pontos daquele jogo foi determinante para que Guga trouxesse seu primeiro título de Grand Slam para casa.

3. Pinçando uma passagem não tão feliz e erros do ídolo para mostrar que todos nós somos humanos e, portanto, falíveis. A dupla-falta cometida por Novak Djokovic no último ponto da final de Roland Garros em 2012 contra Rafael Nadal foi um bálsamo para milhares de tenistas que cometem esse tipo de erro em pontos importantes: se ele pode, por que não eu?

4. Elegendo um trato da personalidade do ídolo que pode ajudar seu aluno a jogar mais relaxado e a se divertir mais. O francês Gael Monfils é reconhecido até por seus colegas de circuito como uma figura importante no tênis graças ao seu talento e ao seu carisma. A capacidade de não se levar tão a sério e de usar o humor para colocá-lo em melhores condições de jogo é algo extraordinário.

Oportunidades

Assistir a partidas profissionais com seu filho ou aluno ao vivo ou pela TV pode gerar conversas e reflexões muito interessantes. Por que você gosta deste tenista em particular? O que chama mais a atenção no seu estilo de jogo? E na sua personalidade? O que você faria se estivesse perdendo esta partida se estivesse no lugar dele? Qual o ritual antes de sacar? Qual o golpe mais bonito? Que mensagem ele está passando para o adversário quando joga a raquete no chão?

Perceba que quase qualquer aspecto do jogo do seu filho ou filha que merece atenção pode ser conversado nas entrelinhas, num bate papo despretensioso durante uma partida de seu ídolo. As crianças nos surpreendem a todo o momento com sua esperteza precoce, portanto, prepare-se para os comentários.

Ídolos nacionais

Projetamos no ídolo alguma característica especial que gostaríamos de agregar ao nosso rol de qualidades pessoais

Surpreendente, durante o Rio Open disputado neste ano, um garoto entrevistado por televisão nacional responder tão rápido à pergunta do repórter: “Para quem você vai torcer?” “Nadal”, cravou o menino. Nota: o adversário de Nadal era brasileiro...

Sempre fico me perguntando como o ídolo gostaria de ser tratado por seus fãs. Se o cara é famoso, mas famoso mesmo, daqueles que já transcenderam o esporte que praticam para virarem um ídolo nacional ou mesmo internacional (Ayrton Senna e Guga são bons exemplos), acho que gostaria de poder entrar num restaurante como qualquer outra pessoa e comer sua refeição em paz. Impossível para um famoso de verdade.

Aqueles que estão a caminho de se tornar ídolos nacionais – como Thomaz Bellucci, João Souza, o Feijão, Bruno Soares e Marcelo Melo, no masculino, e Teliana Pereira e Bia Maia, no feminino –, num esporte ainda pouco praticado no Brasil e à custa de muita garra e insistência individual, acho que gostariam de ser tratados com muito respeito e carinho em qualquer situação dentro ou fora das quadras. Uma atitude bacana dos pais e professores seria valorizar os esforços dos melhores tenistas do país como valorizam os próprios esforços para atingir seus objetivos. Torcer por eles com o mesmo amor com que torcemos por nossos filhos ou por nós mesmos.

Uma palavra final sobre os ídolos: o marketing usa e abusa da imagem dos ídolos para vender produtos, e a pressão da mídia e dos amiguinhos para comprar este ou aquele equipamento esportivo para seu filho pode chegar à beira do insuportável. Segure firme a onda e procure se informar sobre qual a melhor raquete, bola ou calçado de tênis com o instrutor de seu filho ou lojista de sua confiança.

Por Suzana Silva

Publicado em 23 de Agosto de 2015 às 00:00


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Artigo publicado nesta revista

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